Ferramenta de visualização da USP facilita descoberta de métodos para detectar doenças
Plataforma gratuita está disponível na web e pode ser importante aliada nas pesquisas sobre a covid-19
Nos laboratórios de todo o mundo, grupos de cientistas têm investigado novas maneiras de detectar o novo coronavírus. Eles coletam amostras de pessoas infectadas a fim de criar testes rápidos e, para obter alto grau de confiabilidade, realizam uma série de experimentos usando diferentes técnicas de detecção. Isso pode gerar uma grande quantidade de dados e, muitas vezes, os números variam pouco entre si, o que requer cuidado para não gerar diagnóstico impreciso ou errado.
É nesse contexto que a visualização computacional entra em cena. Com a finalidade de criar e explorar representações visuais de dados coletados por meio de sensores e biossensores, um grupo de especialistas da área de computação criou o Projection Explorer Sensors (PEx-Sensors).
Gratuito e disponível na web, o PEx-Sensors já é utilizado por diversos cientistas que estudam, por exemplo, novos métodos para detectar doenças como a leishmaniose visceral, o câncer de próstata e a hepatite C. Agora, os especialistas afirmam que a ferramenta pode se tornar uma aliada importante para agilizar as descobertas relacionadas ao novo coronavírus. Por exemplo, ao usar o computador para enxergar dados obtidos em sensores e biossensores destinados a detectar a presença do novo coronavírus, os pesquisadores podem descobrir semelhanças e diferenças nos métodos de detecção.
É por isso que as ferramentas de visualização computacional têm se proliferado no mundo científico e revolucionado a forma como os pesquisadores conduzem seus experimentos. Resultado de um trabalho em equipe, o PEx-Sensors é apenas uma das muitas ferramentas desenvolvidas ao longo dos últimos 30 anos pelo Laboratório de Visualização de Imagens e Computação Gráfica (VICG) do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos.
“Mas por que usar uma ferramenta de visualização se o cientista já tem números que mostram o quão preciso é o sensor ou o biossensor que ele criou?”, questiona o professor Fernando Paulovich, do ICMC. “Ora, porque quando estamos na fase inicial de desenvolvimento de um sensor ou biossensor, precisamos testar alternativas. É o que está acontecendo hoje em muitos laboratórios que pesquisam o novo coronavírus. Nessa fase, a visualização tem um papel importante: ela é uma ferramenta exploratória”, responde.
O professor diz que, no caminho de construção de um novo sensor ou biossensor, os pesquisadores não sabem dizer, de antemão, qual a combinação de materiais e substâncias poderá ser mais eficaz na detecção de uma doença. “Quando não temos uma resposta para um problema, precisamos explorar possibilidades. Existe apenas uma ideia, uma percepção sobre como podemos resolver. Então, fazemos testes iniciais antes de conceber uma hipótese de pesquisa. Só depois é que partimos para a construção do sensor ou do biossensor mais promissor. No final, ainda é necessário usar métodos estatísticos para validar os resultados encontrados”, explica Paulovich.
É por isso que o professor faz a seguinte ressalva: “O PEx-Sensors não é uma ferramenta de validação, mas uma plataforma para a criação de hipóteses de pesquisa. Com ela você consegue entender uma série de questões que são muito difíceis de observar na prática”.
Desafios adicionais – Vinculado ao ICMC, mas afastado do Instituto há três anos, Paulovich é hoje professor da Universidade de Dalhousie, no Canadá. Morando em Halifax, ele continua orientando, a distância, alunos do Programa de Pós-graduação em Ciências de Computação e Matemática Computacional do ICMC. Um de seus orientandos, Mário Popolin Neto, está buscando tornar mais simples a utilização do PEx-Sensors. “Hoje, antes de inserir os dados na plataforma, os pesquisadores precisam fazer um tratamento prévio e formatá-los. Esse processo ainda é muito complicado e estamos tentando eliminar essa fase”, revela o professor.
Para aprimorar a plataforma, Paulovich está buscando a colaboração de cientistas que atuam no desenvolvimento de sensores e biossensores: “O que a gente quer, neste momento, é compreender quais são os formatos dos dados capturados pelos pesquisadores com esses dispositivos. Assim, será mais fácil encontrar soluções para que a nossa plataforma automatize o processo de leitura desses dados”. O desafio não é simples e está a cargo de Popolin, professor do Instituto Federal de Araraquara. Para Paulovich, enquanto não houver a automatização, será difícil ampliar o público-alvo que utiliza o PEx-Sensor.
Entre os entusiastas da plataforma está o professor Osvaldo Novais de Oliveira Junior, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, que coordena diversas pesquisas de desenvolvimento de biossensores em escala nanométrica (da bilionésima parte do metro), ou seja, em escala muito reduzida. Em parcerias com pesquisadores do ICMC, Oliveira já utilizou o PEx-Sensors em projetos destinados à detecção de câncer de próstata, de pâncreas e de mama. “O interessante é que a plataforma permite a cientistas que não são especialistas em computação acessar as melhores técnicas de visualização para quem atua na área de sensores e biossensores”, destaca o professor do IFSC.
Entre essas técnicas de visualização disponibilizadas por meio do PEx-Sensors está a de mapeamento interativo de documentos (Interactive Document Mapping, IDMAP) e as coordenadas paralelas. Embora existam diversas outras técnicas disponíveis, Paulovich explica que essas duas são as mais confiáveis para as análises de dados provenientes de sensores.
“Um mesmo conjunto de dados pode ser visualizado de forma diferente dependendo da técnica de visualização que você utilizar”, explica a professora Rosane Minghim, do ICMC. As bases para a criação do PEx-Sensors surgiram em 2005, quando Rosane passou a orientar o então doutorando Paulovich, na época, bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Como resultado do doutorado, nasceu a plataforma Projection Explorer (PEx), precursora do PEx-Sensors, criada basicamente para funcionar como um repositório de técnicas de visualização e facilitar o trabalho dos desenvolvedores. Naquele tempo, não existiam plataformas como essa na área de visualização. “Aliás, até hoje, muitos pesquisadores não têm noção de que podem visualizar os dados de seus experimentos usando diferentes técnicas e o quanto isso pode ser útil”, completa Rosane.
A professora alerta, no entanto, que qualquer técnica de visualização computacional tem suas limitações, já que para transformar os dados em algo que possa ser visto no plano bidimensional da tela do computador, é preciso proceder a uma categorização dos dados e uma redução de dimensionalidade. Ela exemplifica aplicando diferentes técnicas de visualização a um mesmo conjunto de imagens, todas relacionados a meios de transporte.
Em uma das visualizações, a tela mostra uma clara distinção entre diferentes grupos levando em conta, predominantemente, as cores presentes em cada uma. Já usando outra técnica de visualização, os limites não são tão claros e, clicando sobre os grupos formados, identificamos que outros critérios comparativos foram empregados, tal como a presença de pessoas nas imagens. Nesse caso, o problema é que não há uma visualização errada e outra certa, pois ambas são válidas, mas muito diversas.
“É inevitável: toda técnica de visualização tem um erro. A grande questão é que, por mais que estejam sendo realizadas muitas pesquisas nessa área, até hoje não encontramos uma maneira de corrigir o erro da própria técnica de projeção, apenas podemos visualizar que o erro existe”, finaliza Paulovich, mostrando que a ciência tem um longo caminho pela frente não apenas na luta contra o novo coronavírus. É necessário também lançar um novo olhar sobre os dados.
Texto: Denise Casatti – Assessoria de Comunicação do ICMC/USP