Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais?
Leonardo de Moraes estreia na literatura com um romance que aborda a dos ciclos históricos de violência do Estado e seus reflexos no seio de uma família
Professor de Direitos Humanos, mestre em Direito do Estado e tabelião, Leonardo de Moraes apresenta à literatura nacional a obra Tia Beth. O drama familiar com ares de romance de formação aborda as violências institucionais cometidas pelo Estado brasileiro ao longo do século XX e como os conflitos enfrentados pelas juventudes, em quaisquer gerações, permanecem os mesmos. Para tanto, ganha voz a excêntrica idosa Beth, que, no intuito de superar os traumas do passado, contrata o sobrinho-neto, Leonardo, para escrever suas memórias.
Em uma sucessão de diálogos regados a café, cigarro e bourbon – combustíveis para o humor ácido da personagem principal -, o leitor mergulha em importantes questões históricas e sociais do Brasil. Entre os momentos narrados, estão as perseguições contra estrangeiros durante a Segunda Guerra Mundial; a existência dos campos de concentração em solo nacional; o policiamento ideológico nas décadas de 1940 e 1970; a hipocrisia de uma sociedade elitista; e a típica busca espiritual das famílias brasileiras que vivenciaram o luto.
Com uma narrativa fluida composta por capítulos curtos, que equilibram diálogos, reflexões internas, cartas íntimas e textos de diários, o autor expõe traumas sob a perspectiva de uma mulher de família rica, que não se percebia como politicamente engajada. O livro também é entrecortado por diversos pontos de vista, apresentados ao leitor em ordem não-cronológica e que, a princípio, têm por objetivo aclarar o evento mais traumático ocorrido na vida de tia Beth: o desaparecimento de seu filho único, Tavinho Guedes, durante a ditadura militar.
Achei triste aquilo. O nome de Tavinho associado a um vazio, a uma lágrima. Ele era um corpo insepulto: todos os assuntos, por mais divertidos e interessantes que fossem, poderiam terminar em Tavinho. Conversando com estranhos, claro que tia Beth não transparecia sua dor; ela era agradabilíssima. Porém, no aconchego familiar, a morte do filho era uma espécie de cravo bíblico, um prego de ferro prendendo sua pele à cruz. Assim como tantas mães da ditadura, tia Beth jamais teve um corpo para chorar. Jamais teve o direito do luto claro, do luto com uma lápide para visitar e honrar. (Tia Beth, p. 32)
A partir da voz de uma mãe sobrevivente do regime ditatorial, Leonardo conhece o contexto social, histórico e político do país. Ao mesmo tempo, percebe como os medos e as dificuldades dos jovens de diferentes gerações permanecem iguais: aprender por conta própria a lidar com seus amores e desejos de futuro numa sociedade instável e hipócrita. Para além disso, o rapaz descobre que nem dinheiro, tampouco influência social, servem de escudo ao Estado, quando transformado em máquina de crueldades.
FICHA TÉCNICA
Título: Tia Beth
Autor: Leonardo de Moraes
Editora: Insígnia Editorial
ISBN: 978-65-84839-21-2
Páginas: 360
Preço: R$ 64,90
Onde comprar: Amazon | Insígnia Editorial
Sobre o autor: Leonardo de Moraes é professor de Direitos Humanos, escritor, roteirista, artista visual e tabelião. É graduado em Direito pela Universidade de São Paulo e mestre em Direito do Estado. Artista residente na New York Academy of Arts, compartilha parte de suas produções artísticas nas redes sociais. Como escritor, é autor de livros de contos, obras infantis e peças de teatro, além de ter produzido roteiros para TV Globo e TV Ideal. “Tia Beth” marca sua estreia como romancista.
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