Guerra fria 2.0: sete questões internacionais que podem afetar economia brasileira nos próximos meses
Cenário de fragmentação geopolítica, conflitos e crises vividos por outras partes do mundo têm influência direta sobre estabilidade econômica no Brasil
Acontece longe de Brasília, São Paulo ou Belo Horizonte, mas, nem por isso, deixa de afetar quem vive nessas cidades. Algumas questões internacionais acabam respingando na economia brasileira porque o país, hoje, está profundamente ligado a nações de todo o mundo, comercialmente falando.
O cenário geopolítico atual está marcado por uma crescente fragmentação. De um lado, as potências ocidentais, lideradas principalmente pelos Estados Unidos e pela União Europeia. De outro, um grupo de países em desenvolvimento que não estão completamente alinhados nem com o Ocidente nem com outras grandes potências, como a China e a Rússia. Esse contexto tem sido descrito como uma “Guerra Fria 2.0”, pois lembra o período de polarização ideológica, política e econômica vivido durante a Guerra Fria (1947-1991), mas com novas características e atores globais.
Alguns fatores impulsionam essa fragmentação, entre eles as transições tecnológicas e a busca por um novo equilíbrio de poder. Para o coordenador do curso de Comércio Exterior e do Observatório Global da Universidade Positivo (UP), João Alfredo Lopes Nyegray, “algumas das características centrais desse cenário incluem disputas entre Estados Unidos e China, enquanto países como Índia, Turquia, Brasil e Arábia Saudita buscam afirmar sua autonomia estratégica, evitando alinhamentos claros com qualquer grande potência, e novas alianças desafiam o papel do Ocidente, como a firmada entre Irã, Coréia do Norte e Rússia”. E, embora muitas dessas situações ocorram geograficamente longe do Brasil, elas realmente podem afetar – ou já estão afetando – a economia brasileira. Nyegray destaca sete questões em que o Brasil precisa ficar de olho nos próximos meses.
- Conflito entre Israel e o Hamas (Gaza)
“O conflito entre Israel e o Hamas escalou nas últimas semanas, afetando diretamente o Oriente Médio, região crítica para o mercado de energia global. A instabilidade aumenta a incerteza sobre a oferta de petróleo e gás, o que pode elevar os preços internacionais do petróleo. Como o Brasil é um importador de combustíveis, essa alta impacta os custos de transporte e produção, gerando inflação e pressionando a balança comercial”, ressalta o especialista. No Brasil, mais de 90% das cargas são transportadas por via rodoviária. Nesse cenário, qualquer oscilação no preço do diesel tende a ter um efeito em escala sobre quase tudo o que compramos para o nosso dia a dia.
- Guerra na Ucrânia
Iniciada em fevereiro de 2022, a guerra entre Rússia e Ucrânia continua a perturbar as cadeias de fornecimento de grãos e fertilizantes, commodities importantes para a agricultura brasileira. “A Ucrânia é um grande exportador de grãos e a Rússia, um dos principais fornecedores de fertilizantes para o Brasil. A continuidade desse conflito pode causar volatilidade nos preços desses insumos, impactando os custos de produção agrícola no Brasil, especialmente em culturas como soja e milho. Se exportarmos menos desses itens, seja por produção menor – o que não parece ser o caso – seja por custos maiores, o país se torna ainda menos competitivo e sofreremos com uma entrada menor de moedas estrangeiras.”
- Política monetária dos Estados Unidos (Federal Reserve)
“Tememos que haja um aumento contínuo das taxas de juros pelo Federal Reserve dos EUA para conter a inflação. Um eventual aumento dos juros nos EUA atrairia capital de mercados emergentes, como o Brasil, de volta para os EUA. Esse movimento pressionaria o real, causando desvalorização cambial e aumento da dívida externa brasileira. Além disso, a menor liquidez global e o aumento do custo do crédito podem desacelerar investimentos estrangeiros no país”, aponta Nyegray. Embora, em setembro, o FED tenha cortado a taxa de juros nos EUA em 0,50%, eventuais aumentos futuros não estão descartados.
- Desaceleração econômica na China
A China é o maior parceiro comercial do Brasil, especialmente no setor de commodities como soja, minério de ferro e petróleo. “Uma desaceleração mais acentuada na economia chinesa, impactada por desafios estruturais, como a crise imobiliária, pode reduzir a demanda pelos produtos brasileiros, afetando não apenas as receitas do setor agrícola e de mineração, mas também o superávit comercial do Brasil.”
- Mudanças climáticas e transição energética global
Com a crescente pressão internacional para a redução das emissões de carbono, o Brasil, que é uma potência agrícola e tem no agronegócio uma de suas principais fontes de receita, pode enfrentar desafios no cumprimento das metas ambientais globais. O aumento das exigências de sustentabilidade e certificações verdes nos mercados internacionais pode impactar as exportações brasileiras, caso o país não se adapte rapidamente às novas regulamentações e práticas de produção mais ecológicas. “Embora boa parte do setor no Brasil esteja efetivamente se adaptando às exigências da sustentabilidade, isso não significa que o setor esteja preparado para o futuro. As mudanças climáticas podem fazer com que determinadas culturas agrícolas se tornem inviáveis ou que precisem de mais insumos produtivos, como água e fertilizantes. Nos últimos 20 anos muitas áreas que eram produtivas tornaram-se desertos.”
- Crise migratória global
O aumento da migração em massa, especialmente da América Latina e África, tem levado a tensões em países desenvolvidos. “A crise migratória global, associada a condições econômicas adversas, pode criar instabilidade política em diversas regiões. Para o Brasil, como um destino crescente de migrantes da Venezuela e de outras nações em crise, isso pode gerar pressão no mercado de trabalho, nos sistemas de assistência social e saúde, além de influenciar nas discussões internas sobre políticas de imigração”, alerta.
- Reconfiguração das cadeias globais de suprimentos
Após os impactos da pandemia de covid-19 e da guerra na Ucrânia, diversas empresas multinacionais estão reconsiderando suas cadeias de suprimento, buscando diversificar a produção para fora da China. “Esse fenômeno, conhecido como ‘nearshoring’ ou ‘friendshoring’, pode trazer oportunidades e desafios ao Brasil. O país poderia atrair novas indústrias e investimentos, especialmente em setores como manufatura e tecnologia. No entanto, isso dependerá da capacidade brasileira de melhorar sua infraestrutura, ambiente regulatório e competitividade”, afirma Nyegray. Ele avalia, ainda, que a reforma tributária que está para ser aprovada, por si só, não tornaria o Brasil mais atrativo. Investimentos em infraestrutura e simplificação de burocracias seguem urgentemente necessários.
“Esses fatores globais tendem a aumentar a volatilidade econômica no Brasil, exigindo do governo e do setor privado políticas mais ágeis e eficientes para mitigar riscos e aproveitar oportunidades. A atenção à política monetária interna e externa, além de estratégias para diversificação comercial, será crucial nos próximos meses. Cada vez mais, a geopolítica deve ser considerada no planejamento estratégico das empresas”, completa.