Direito Digital – Futuro da Regulação de IA no Brasil: Marco Legal em Discussão
Adriana Garibe
O debate sobre a regulação de Inteligência Artificial (IA) no Brasil tem se intensificado nos últimos anos, refletindo um movimento global em busca de estabelecer parâmetros éticos e jurídicos para o desenvolvimento e uso dessa tecnologia. O ponto central está na criação de um marco regulatório que equilibre a promoção da inovação, a proteção de direitos fundamentais e a segurança jurídica. Nesse contexto, dois projetos de lei se destacaram: o PL 21/2020, de caráter mais permissivo e principiológico, e o PL 2338/2023, que adota uma abordagem precavida e prescritiva.
O PL 21/2020 foi aprovado pela Câmara dos Deputados em setembro de 2021 como um marco inicial para a regulação da IA no País. Seu enfoque em diretrizes éticas e princípios gerais buscava criar um ambiente favorável ao desenvolvimento tecnológico, mas foi muito criticado por sua falta de detalhamento operacional, o que poderia levar a insegurança jurídica para empresas e desenvolvedores. Com o passar do tempo, tornou-se evidente a necessidade de uma legislação mais robusta, levando à elaboração do PL 2338/2023, apresentado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, em maio de 2023. Baseado no trabalho da Comissão de Juristas, este projeto trouxe maior detalhamento e organização, classificando os sistemas de IA por níveis de risco e impondo obrigações específicas para os agentes envolvidos.
A complexidade do tema levou à criação da Comissão Temporária de Inteligência Artificial (CTIA), instalada em agosto de 2023, com o objetivo de avaliar e consolidar as diversas propostas legislativas existentes. Entre os projetos analisados estavam o PL 2338/2023 e outras iniciativas, como o PL 5051/2019 e o PL 872/2021. Após meses de debates, a CTIA apresentou quatro versões de substitutivos entre junho e julho de 2024, culminando na versão preliminar de 28 de novembro de 2024. Este texto procurou um equilíbrio entre regulação e inovação, sendo destacado pela supressão de critérios excessivamente genéricos para classificação de alto risco, além de prever dispositivos que clarificam as responsabilidades dos agentes envolvidos.
Em 5 de dezembro de 2024, a CTIA aprovou a Emenda nº 199-CCT, consolidando o texto substitutivo e declarando a prejudicialidade de projetos anteriores, incluindo o PL 21/2020. Caso aprovado, o projeto será encaminhado à Câmara dos Deputados, etapa crucial para sua aprovação definitiva.
Entre as principais alterações do texto de 28 de novembro e o aprovado em 5 de dezembro estão a proibição explícita de sistemas de IA que facilitem a produção ou disseminação de materiais relacionados a abuso ou exploração sexual de crianças e adolescentes; a exclusão da classificação genérica de sistemas de IA de aplicações de internet como de alto risco, protegendo a liberdade de expressão; a remoção de critérios como integridade da informação e liberdade de expressão no artigo 15, reafirmando a importância desses direitos; a inclusão do termo “na medida de sua participação” no artigo 32, que esclarece as responsabilidades dos agentes na cooperação exigida; e aprimoramentos nas disposições sobre direitos autorais, garantindo equilíbrio entre inovação e proteção aos criadores.
A aprovação do substitutivo representa um marco significativo no debate sobre governança de IA no Brasil. Além de atender às necessidades do setor privado, a proposta reforça a proteção de direitos fundamentais e aponta para uma integração do país a padrões regulatórios internacionais. Paralelamente, discussões no Supremo Tribunal Federal sobre a responsabilização de plataformas digitais no âmbito do Marco Civil da Internet complementam esse cenário regulatório, demonstrando a importância de garantir segurança jurídica e direitos fundamentais em um ambiente cada vez mais digital.
O Brasil avança para moldar o futuro da inteligência artificial com um marco regulatório que promete atender às demandas de inovação tecnológica sem abrir mão de salvaguardas éticas e jurídicas. A expectativa pela votação no Senado e, posteriormente, na Câmara, reflete a relevância e a urgência de consolidar um arcabouço legislativo robusto e inclusivo, capaz de promover a transformação digital de forma responsável e sustentável.
Adriana Garibe é advogada e coordenadora da área de Direito Digital do Lemos Advocacia Para Negócios.
Roncon & Graça Comunicações
Jornalistas: Edécio Roncon / Vera Graça