Habitantes perenes do manicômio jurídico tributário
Por Wagner Balera
Até quando teremos paciência para esperar a verdadeira reforma tributária, vale dizer aquela que trate de todo o sistema tributário nacional.
O Brasil tem dois orçamentos. O fiscal propriamente dito, que arrola receitas adjudicadas à União e o orçamento da Seguridade Social. São dois orçamentos separados, ainda que façam parte do mesmo diploma legal, a lei orçamentária.
No entanto, as inúmeras propostas de reforma (ou seriam de contrarreforma?) teimam em discutir tudo como se estivéssemos num único marco arrecadatório.
O que acontece com o tema da reforma tributária?
Em 1989, discutiu-se no Congresso da International Fiscal Association (IFA), realizado no Rio de Janeiro, entre outros temas, a nova estrutura tributária para o País, pois o sistema, de 1965, já então era dado por ultrapassado.
A oportunidade histórica fora perdida na Assembleia Nacional Constituinte, que trabalhou durante dois longos anos e, contudo, copiou para a recém- aprovada Carta Magna o modelo vetusto da Emenda 18, de 1965, com as reconhecidas imperfeições.
Há muitos anos participo de inúmeros eventos que cuidam da reforma tributária.
Os projetos e propostas nunca faltaram. Alguns avançaram bastante, como o de Mussa Demes, precocemente falecido, que lamentavelmente levou consigo o ideário.
Outros foram tolhidos pela perda do mandato.
Tudo o que se quer é saber se uma reforma, que não é só necessidade de governo e sim do Estado, permitirá arrecadação suficiente para o pagamento das contas sempre crescentes. E se o equilíbrio federativo será respeitado, em conformidade com o modelo constitucional.
Depois de tantos anos e inúmeras discussões, continuamos diante do manicômio jurídico tributário, assim denominado por um ilustre tributarista, o gaúcho Alfredo Augusto Becker, na sua Teoria Geral do Direito Tributário, em 1963.
Infelizmente, o manicômio persiste vivo e atuante porque as diversas propostas de reforma a tributária cuidam de modo isolado, de um lado da receita fiscal e, de outro, da receita apta a financiar a saúde, a previdência social e a assistência social, isto é, a Seguridade Social.
Vale destacar que a receita da Seguridade Social sustenta milhões de pessoas no Brasil.
Lembremo-nos do que aconteceu, recentemente, na pandemia quando 65 milhões de pessoas receberam auxílio emergencial, com recursos da seguridade social.
A partir de agora, o sistema de assistência social terá que contar com instrumental de arrecadação que auxiliará o combate à pobreza dessas 65 milhões de pessoas que nem mesmo eram identificadas em estatísticas. Além desse dispêndio, são devidos os benefícios previdenciários – aposentadorias e pensões – conta conhecida e devidamente provisionada.
Muito se falou em desoneração da folha, mas quais são as consequências dessa desoneração? Representa quebra de receita da Seguridade Social. Sem cálculo financeiro e atuarial da receita necessária e suficiente para bancar a despesa é tema complexo.
É ótima a proposta de desoneração da folha, desde que se diga, de pronto, donde sairão os recursos aptos a cobrir o “gap” da receita da arrecadação incidente sobre a folha.
É certo que nunca foi apresentado o cálculo atuarial sobre esse desiderato e já ocorreram diversas desonerações.
Ressalte-se que as pessoas estão vivendo mais tempo, e o sistema de Seguridade Social responderá pela manutenção dos benefícios por lapso de tempo maior.
É impossível cogitar-se de reforma tributária sem que se cuide desse tema, por mais complexo que possa parecer.
Todos ficamos muito felizes com o fim da CPMF. Mas essa receita financiava a saúde e não consta que tenha sido substituída por outra fonte carimbada para o setor.
E a pandemia demonstrou quanto o SUS é importante.
Não dá para cogitar de reforma tributária sem que se abra o debate sobre o custo total da dispendiosa máquina pública.
Não há como pensar em reforma tributária sem que se cogitem das indispensáveis modificações no artigo 195 da Constituição, que trata precisamente do financiamento da seguridade social.
A autêntica reforma, aquela que nos tire do manicômio, deve cogitar do custo social do País, um custo que progrediu com a pandemia, cujas sequelas sociais certamente recairão sobre as costas largas da Seguridade Social.
Wagner Balera é professor titular de Direito Previdenciário e de Direitos Humanos na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), livre-docente em Direitos Humanos, doutor em Direito das Relações Sociais, autor de mais de 30 livros na área de Direito Previdenciário e de mais de 20 livros da área de Direitos Humanos e sócio fundador e titular do escritório Balera, Berbel & Mitne Advogados.