O caos da existência humana em forma de poesia
Em entrevista, escritor Mauro Felippe comenta processo criativo e a libertação das palavras no lançamento “Catarse”
Marcadas por uma escrita intensa e por vezes frenética, as palavras de Mauro Felippe têm a capacidade de libertar e expressar o âmago do ser humano. Em Catarse, quinto livro publicado pelo catarinense, ele afugenta, por meio das palavras, as angústias, inquietações e dilemas da humanidade.
Longe das poesias sobre relacionamentos e amor-próprio, os textos do poeta ganham ainda mais força com as ilustrações de Rafael Nobre. Com um projeto gráfico de tirar o fôlego e edição luxuosa em capa dura, Mauro aborda temas como corrupção, descaso com povos indígenas, quilombolas, e negligência ambiental.
Conheça um pouco mais sobre a obra e o autor, que promete, por meio de suas críticas e reflexões, deixar uma marca no mundo, uma prova inequívoca de que é preciso questionar para melhorar.
1 – A palavra “catarse” significa a liberação de emoções ou tensões reprimidas. Qual mensagem você quis transmitir aos leitores ao dar este nome para a obra que acaba de lançar?
M.F.: A grande maioria dos meus textos, senão todos, traz, de certa forma, mensagens ou reflexões ao leitor para a busca de resoluções de um conflito pessoal ou social que convivera ou convive. Os temas são advindos de pensamentos meus, cujos pontos de partida à escrita eu observei, vivenciei ou solucionei após caminhos que até tempos atrás não havia me alertado e que, agora, creio corretos ou prudentes. Gosto de livros com títulos com uma palavra só, como nos casos dos anteriores. Este novo título engloba uma mescla dos temas, pois Catarse também significa libertação de pensamentos, ideias, etc. Também expõe algo que é seu pensamento que estava reprimido, mas que agora foi externado no papel, em diversas figuras de linguagem.
2 – Quais foram suas principais inspirações para compor as poesias de Catarse?
M.F.: Os temas abordados, por exemplo, não são direcionados a uma só causa ou efeito, como se fosse uma trilogia ou a sequência, o livro dois. São quase psicografados, parafraseando, desde uma simples poça d´água que a transformo numa reflexão enorme até outro tema complexo, que atinja o humano, psicologicamente. Todos os textos são elaborados em poucos minutos; já vêm prontos do pensamento. Geralmente, transformo o tema pensado na hora em parábolas e metáforas, para aliviar o pensamento do leitor e fazê-lo entender onde quero chegar. Por exemplo, a morte é inerente ao ser, assim como a vida. Entre uma e outra há um infinito pensar. Se eu escrever um livro somente com um tema, em poemas, torna-se monótono e desprezível para mim. A cada página há um novo caminho, um recomeçar, e nenhum nos meus livros é interligado um com outro. São independentes, como os textos. Os temas abordados são exatamente extraídos dos meios que convivo ou convivi deste o meu nascimento, incluindo os que os leio e fazem refletir, seja no país, seja no escritório, seja no planeta, onde estiver. Têm que me sensibilizar.
3 – Na obra Catarse, você traz um olhar crítico e reflexivo para pautas mais atuais, como descaso com povos originários, negligência ambiental, fake news e corrupção. O que te fez abordar tais assuntos?
M.F.: Sinceramente, todas essas pautas sempre existiram e sempre estão em evidências, no verbo presente. Jamais, na história da humanidade, ao menos até onde li ou desde quando nasci, tais temas nunca saem de pauta e, consequentemente, do meu convívio na escola, em casa, no escritório, nos eventos, nas matérias que leio, entre outros. A raça humana, exclusivamente, que mudou e muda a correnteza, e provoca a autodestruição do espécime a troco de obtenção de posses na maioria injustas e dinheiro. O poder é um divisor de classes e de pensamentos que antes valiam e agora não valem mais. Sempre tive um olhar crítico das coisas, no bom sentido, nada pejorativo. Sou um observador contumaz, vem do meu ser. Talvez me vejo nesse exercício devido ao hábito da leitura e minha profissão como advogado, onde esta é concreta – um enfrentamento a um caso real e ao vivo. As pautas acima sempre existiram, sempre foram combatidas pelos de bom senso, mas enquanto houver poderes sempre haverá súditos.
4 – “Catarse” é a quinta coletânea que você publica e todos os seus livros tem como característica a poesia reflexiva. De onde vem essa veia filosófica e ao mesmo tempo artística?
M.F.: A minha leitura e a escrita não são voltadas ao modismo ou obrigatórias, forçosas, mas sim na busca exigente do que realmente me agrada e me completa. É como se no livro que eu estiver lendo o autor esteja no mesmo compasso psicológico que o meu, em sintonia. Tem que me sensibilizar ou trazer algo de inédito para mim, algo surpreendente. A Filosofia, como o Direito, este último que exerço exatamente há trinta anos, são provocativas, ou seja, uns entendem de uma forma – outros de outra. Isso gera o embate e com tal, quiçá, uma solução. Se não houver a solução, ao menos surgiu a reflexão.
5 – A obra tem um projeto gráfico de tirar o fôlego, todas as cores e formas tornam os textos ainda mais profundos. Como foi o processo de criação das imagens junto com ilustrador Rafael Nobre?
M.F.: Em todos os meus livros publicados, sem exceção, ao findar um texto já ocorre em minha mente a ilustração do tema exposto. Como dito, o texto é obviamente escrito e é um poema ou aforismo, ou ainda o haicai. Na minha visão, a ilustração deve estar em sintonia com o texto ou complementá-lo, o que gera algo impressionante, pois a minha veia ilustrativa é o surrealismo. É como se a ilustração fosse outro poema, independente do texto. Para as ilustrações do Catarse, após contato com Rafael Nobre, sugeri diversas ilustrações não impositivas, mas como ideias para ele perceber o meu gosto, a minha linha – a harmonia. Ao entender a minha linha ilustrativa proposta lhe dei liberdade para criação. Ele entendeu perfeitamente onde eu queria chegar, e confesso que foi além do esperado.
6 – Por fim, se pudesse voltar no tempo, o que diria ao Mauro Felippe de 2014, quando publicou um livro pela primeira vez?
M.F.: Boa pergunta! Já meditei sobre isso. O tempo é irmão do tempo. Se tudo que fizemos no passado fosse desfeito em segundos tão somente pelo motivo de não se gostar mais daquilo, achar ultrapassado, eu estaria cometendo a aniquilação da minha própria história. Temos que contar, somar e agradecer o início, onde tudo começou. Tem que ter o pontapé, senão nada sai do papel ou da própria vida. O Mauro de 2014 é o mesmo de 2023, perseverante. Apenas foi lapidado para busca do crescimento interior, do melhor, do conhecimento, da maturidade com conteúdo. Admito que eu possa ter feito algo indesejável para mim no passado, mas se não fosse aquele algo não haveria a busca do crescimento – em todos os sentidos.
Sobre o autor: Natural de Urussanga, no sul de Santa Catarina, Mauro Felippe é advogado e chegou a cursar Engenharia de Alimentos antes de se decidir pela carreira no Direito. Autor das coletâneas poéticas Nove, Humanos, Espectros e Ócio, preencheu inúmeros cadernos na infância e adolescência com textos e versos, dos simples aos elaborados. As temáticas de suas obras são extraídas de questões existenciais, filosóficas e psicológicas compreendidas em seu dia a dia, sendo que algumas advém dos longos anos de advocacia, atendendo a muitas espécies de conflitos e traumas. Por meio da literatura, pretende viver dignamente e deixar uma marca positiva no mundo, uma prova inequívoca de sua existência como autor.
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