Pandemia da Covid-19: Licença compulsória da patente de uma vacina
Especialista afirma que instrumento jurídico pode ser usado, mediante análise de alguns requisitos.
Em razão da pandemia da Covid-19, com o surgimento de imunizantes para esse terrível vírus, assistimos a um aumento nas propostas para o que se convencionou chamar de “quebra de patente” das vacinas em território nacional, para que o Brasil fabrique os insumos e o produto final, que é a própria vacina. A afirmação é do especialista em Propriedade Intelectual e Industrial, advogado Paulo Roberto Toledo Corrêa.
Toledo Corrêa explica que é incorreto o uso da expressão “quebra de patente” no caso das vacinas. Para melhor entendimento, a “quebra de patente” é uma ruptura contratual dos acordos internacionais, como o Tratado da Convenção de Paris, de 1883, vigente em nosso País e do Acordo Sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips).
“Por sua vez, a licença compulsória ou obrigatória de uma patente, cujo termo vem sendo usado erroneamente como sinônimo de quebra de patente, permite uma suspensão temporária do direito à exclusividade do detentor da patente. É uma intervenção sobre o monopólio”, acrescenta Toledo Corrêa. Ele ressalta que a licença compulsória é um mecanismo de defesa contra possíveis abusos dos laboratórios ou dos detentores de patentes (inclusive de vacinas) e para casos específicos, onde há o interesse público e ocorra o abuso nos preços desses produtos.
A “quebra de patente”, no caso das vacinas é uma decisão unilateral, onde há intervenção do Executivo e o não reconhecimento desses acordos internacionais. Acrescenta o advogado: “Será que vale a pena criarmos atritos com países com os quais nossas relações comerciais são ótimas e para quem vendemos nossos produtos agrícolas como China, Índia, Inglaterra, Estados Unidos eRússia?”
A Lei antiga de patentes do Brasil, não permitia a patente de medicamentos. Criada na época do regime militar, mantinha algumas áreas como alimentos, produtos farmacêuticos e produtos bélicos, entre outras, como estratégicas, para a indústria brasileira. E também previa a desapropriação de patentes, em caso de interesse ou segurança nacional.
Na licença compulsória ou obrigatória o governo negocia com o titular da patente, o pagamento da taxa de royalties e do valor do produto. Valores bem menores sobre o preço que o medicamento será colocado no mercado. Não havendo êxito na negociação, o governo faz uma declaração legal, gerando um decreto de licença. Os casos mais famosos que ocorreram no Brasil, são relacionados aos medicamentos contra o vírus HIV e na criação dos genéricos do sistema público de saúde.
Toledo Corrêa disse que o Brasil começou a conceder patentes de produtos e processos farmacêuticos, a partir de 1996. E com a entrada da Lei de Patentes, e dos acordos internacionais, principalmente o Trips, o Ministério da Saúde, começou a estudar a possibilidade da licença dos compulsórios de patentes, para os casos de coquetel de HIV. Em 2003, através do decreto 4830, o governo autorizou a importação de medicamentos genéricos, sem o consentimento dos titulares das patentes.
Para se efetuar a licença compulsória das vacinas existentes, detalha o especialista, teremos que ter condições bem claras. “Como por exemplo, que seus preços sejam exorbitantes, para ser declarado o interesse público. Após isso, teremos que ter condições de fabricar no País os insumos com preços competitivos e também as vacinas. Se a fábrica do Instituto Butantan estiver pronta em outubro, como prometido e a Fiocruz tiver condições de produção, ainda assim restam questões como o confronto com esses países que são parceiros comerciais importantes e a capacidade do Brasil de produção das vacinas e com valores competitivos”, conclui.