Realidade brasileira: 16 mil novos casos de câncer de colo uterino a cada ano
O impacto do tumor guarda íntima relação com indicadores sociais e econômicos. A incidência na região Norte do Brasil é cerca de três vezes maior do que no Sudeste
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, em todo o mundo, em 2020, aproximadamente 604 mil mulheres receberam diagnóstico de câncer de colo uterino e 341.831 mulheres morreram devido à doença. Segundo as estimativas do Instituto Nacional de Câncer (INCA) para os anos de 2020-2022, serão diagnosticados mais de 16 mil novos casos de câncer de colo uterino a cada ano, representando, no Brasil, o terceiro câncer mais comumente diagnosticado entre as mulheres. “O impacto deste tipo de tumor guarda íntima relação com indicadores sociais e econômicos. De fato, 80% dos casos são detectados em países de baixa e média renda, nos quais a mortalidade pela doença também é maior quando comparadas aos países ricos”, conta o oncologista Leonardo Roberto da Silva, do Grupo SOnHE – Sasse Oncologia e Hematologia.
No Brasil, ao longo dos últimos 20 anos observou-se uma redução da incidência da doença, passando de 21,15 casos a cada 100 mil mulheres, no ano 2000, para 11,44 casos a cada 100 mil mulheres em 2015. No entanto, existem importantes diferenças regionais tanto em termos de incidência quanto em mortalidade por câncer de colo uterino. “No período de 2000 a 2015, a taxa de incidência de câncer de colo uterino foi de 33,16/100 mil mulheres na região Norte do país, em comparação a 10,80/100 mil mulheres na região Sudeste. Além disso, a região Norte também apresenta a maior taxa de mortalidade por câncer de colo uterino, com 12,17 mortes/100 mil mulheres, em comparação a 3,71 mortes/100 mil mulheres na região Sudeste. Tal heterogeneidade reflete desigualdades socioeconômicas que são fatores determinantes da capacidade de cada região oferecer o cuidado de saúde adequado às mulheres”, explica o oncologista.
Em 2020, a OMS lançou uma ambiciosa iniciativa mundial para acelerar a erradicação do câncer de colo uterino como um problema de saúde pública. O objetivo é que cada país atinja e mantenha uma incidência de 4 casos/100 mil mulheres. Para isso, três estratégias iniciais são recomendadas: cobertura de vacinação de 90% das meninas até os 15 anos; cobertura de rastreamento do câncer de colo uterino de 70%, aos 35 anos e aos 45 anos, com testes adequados e de qualidade e garantia de que 90% das mulheres com doença de colo uterino (lesões precursoras ou câncer) recebam tratamento adequado e em tempo hábil. “Estima-se que, caso essas metas sejam atingidas no ano de 2030, consiga-se reduzir a incidência do câncer de colo uterino em 10% já em 2030 e que, até 2120, tenham sido evitados 70 milhões de casos da doença (e 62 milhões de mortes)”, conta Dr. Leonardo.
Câncer prevenível
O câncer de colo uterino é uma doença potencialmente evitável, o que é de extrema importância em termos de saúde pública. Programas de controle da doença foram implementados na grande maioria dos países, baseados inicialmente na realização de exames de rastreamento e, posteriormente, na introdução da vacinação contra o vírus HPV. Porém, segundo Dr. Leonardo, o sucesso desses programas depende de uma complexa organização que garanta o amplo acesso à população. “Bem como campanhas educativas que tenham como foco melhorar o entendimento das mulheres quanto à importância do diagnóstico precoce e da vacinação, bem como a abordagem de outros fatores de risco (como hábitos de vida sexual e tabagismo)”.
O oncologista explica que o rastreamento do câncer de colo uterino pode ser feito de duas formas: pelo exame de papanicolaou e pelo teste de HPV. O mais amplamente usado no Brasil, e incluído nas recomendações do Ministério da Saúde, é o papanicolaou. “É um exame indolor, de baixo custo, seguro e de fácil execução, que pode ser realizado em unidades básicas de saúde durante um exame ginecológico. No Brasil, recomenda-se a sua realização a partir dos 25 anos de idade para todas as mulheres que já tiveram ou têm atividade sexual. Deve ser feito anualmente nos dois primeiros anos e, caso os dois primeiros exames sejam normais, pode ser repetido a cada 3 anos até os 64 anos. Com o papanicolaou é possível detectar o câncer de colo uterino em estágios muito iniciais, o que garante uma elevada chance de cura”, afirma.
Infelizmente, a cobertura de rastreamento do câncer de colo uterino no Brasil ainda é inferior ao recomendado pela OMS (meta de 85%). Além disso, algumas regiões do país enfrentam problemas relacionados à baixa qualidade do teste, principalmente em cidades com menos recursos e populações socialmente e economicamente vulneráveis. Com base nos dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) conduzida no Brasil em 2013, 79,4% das mulheres relataram terem sido submetidas ao exame de papanicolaou. Mulheres mais velhas (55-64 anos; 71%) e com menor nível de escolaridade (fundamental incompleto; 71%) apresentaram menores taxas de rastreamento. “Diferenças regionais na cobertura do rastreamento enfatizam a necessidade de se levar em consideração questões culturais, sociais e econômicas na elaboração de medidas adequadas a cada população, de acordo com os recursos disponíveis”, conclui o médico.
Vacina
A infecção pelo vírus HPV (papilomavírus humano) é responsável por cerca de 90% dos casos de câncer de colo uterino. Assim, a prevenção da infecção por esse vírus é uma estratégia potencial para a prevenção de lesões precursoras e do câncer de colo uterino. “O HPV é um vírus de DNA altamente prevalente na população, de forma que se estima que, aos 50 anos de idade, 80% das mulheres já tenham tido contato com esse vírus em algum momento da vida. A despeito da recomendação da OMS de que a vacina contra o HPV seja incluída nos programas de imunização nacionais para crianças e adultos jovens, a cobertura mundial com a vacina é baixa (cerca de 1,4% das meninas na faixa etária recomendada). Desigualdades no acesso são evidentes entre os países, com uma cobertura de 33% em países ricos em comparação a apenas 2,7% em países de baixa renda”, explica o especialista.
No Brasil, a vacina quadrivalente contra o HPV foi introduzida no calendário vacinal do Programa Nacional de Imunização em 2014. Tal vacina protege contra quatro tipos de HPV com potencial de causar câncer de colo uterino (6, 11, 16 e 18). É recomendada para as meninas com 9-13 anos de idade, com duas doses aplicadas com intervalo de seis meses. Os meninos foram incluídos a partir de 2017, devendo ser aplicada entre os 11-13 anos. Entre os anos de 2014 e 2017, a cobertura entre as meninas foi de 72,4% para uma dose e de 45,1% para as duas doses. Para os meninos, a cobertura foi bastante inferior, da ordem de 20%. Assim como observado em outros países, a baixa cobertura vacinal poderia ser atribuída à recusa pelos pais, principalmente por preocupação quanto à ocorrência de efeitos colaterais. No entanto, um estudo realizado em sete capitais brasileiras, representando todas as regiões do país, mostrou que os principais fatores associados à baixa cobertura foram as dificuldades específicas de se vacinar adolescentes e questões relacionadas ao próprio sistema de saúde. “Importante ressaltar que a vacina quadrivalente contra o HPV empregada no Brasil é segura e eficaz na prevenção da infecção por esse vírus. Inicialmente, foram reportados casos de reações neurológicas em algumas meninas. No entanto, diversas análises clínicas e laboratoriais foram realizadas, bem como pesquisados os resultados em outros países, concluindo-se que tais ocorrências não representavam efeitos colaterais aos componentes da vacina”, afirma o médico
Os efeitos benéficos da vacinação contra o HPV na prevenção do câncer de colo uterino serão obtidos 15-20 anos após a vacinação, considerando o longo período observado entre a infecção e o desenvolvimento do câncer. Assim, a OMS reforça a necessidade de se melhorar a cobertura e a qualidade dos programas de rastreamento, com o exame de papanicolaou e/ou o teste de HPV. A combinação das duas estratégias tem o potencial de reduzir significativamente o impacto do câncer de colo uterino no mundo.
* Leonardo Roberto da Silva, formado em Oncologia Clínica pela Universidade Federal Minas Gerais, é oncologista do Caism/Unicamp, com função docente junto aos residentes em Oncologia Clínica da Unicamp. É mestre em Oncologia Mamária pela Unicamp e doutorando na área de Oncologia Mamária pela FCM-Unicamp, com extensão na Baylor College of Medicine – Houston/Texas, EUA. É membro titular da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) e da Sociedade Europeia de Oncologia Clínica (ESMO). Leonardo faz parte do corpo clínico de oncologistas do Grupo SOnHe – Sasse Oncologia e Hematologia e atua no Radium Instituto de Oncologia, no Hospital e Maternidade Madre Theodora e no Hospital Santa Tereza.
Sobre o Grupo SOnHe
O Grupo SOnHe – Sasse Oncologia e Hematologia, é formado por oncologistas e hematologista que fazem o atendimento oncológico humanizado e multidisciplinar no Hospital Santa Tereza, Instituto do Radium, Madre Theodora, três importantes centros de tratamento de câncer em Campinas. E no Hospital Santa Casa, em Valinhos. A equipe oferece excelência no cuidado oncológico e na produção de conhecimento de forma ética, científica e humanitária, por meio de uma equipe inovadora e sempre comprometida com o ser humano. O SOnHe é formado pelos oncologistas: André Deeke Sasse, David Pinheiro Cunha, Vinicius Correa da Conceição, Vivian Castro Antunes de Vasconcelos, Rafael Luís, Susana Ramalho, Leonardo Roberto da Silva e Higor Montovani e pelos hematologistas Márcia Torresan Delamain e Bruno Kosa Lino Duarte. Saiba mais: no portal www.sonhe.med.br e nas Redes Sociais @gruposonhe.