Trajetória de recém-formado na USP é exemplo para quem pretende fazer pós-graduação no exterior
Fazendo doutorado na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, ex-aluno do ICMC compartilha os passos que trilhou para incentivar mais estudantes a realizarem o sonho de estudar no exterior.
Ele é o primeiro membro da família a concluir um curso universitário. Natural de Santos, no litoral do Estado de São Paulo, Victor Hugo de Souza Daniel tem apenas 21 anos mas já contabiliza uma lista admirável de realizações. Logo depois de antecipar em seis meses a conclusão do Bacharelado em Matemática na USP, em São Carlos, ele conquistou a tão almejada vaga no exterior: desde agosto do ano passado, faz doutorado na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, nos Estados Unidos.
“Eu queria ter a experiência de estudar no exterior. Só que, ao mesmo tempo, ficava pensando: será que não estou querendo demais?”, lembra-se o ex-aluno do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC). “Eu não tinha referência de ninguém do meu convívio que havia passado por essa experiência antes”, conta o recém-formado. Por isso, a opção de fazer uma pós-graduação no exterior parecia simplesmente não ser algo que coubesse dentro da história de Victor.
Filho mais velho de um mecânico e de uma caixa de uma farmácia, o garoto precisou encarar a sensação incômoda e pesada do não pertencimento antes de dar os passos que lhe abririam as portas das universidades norte-americanas. Quando decidiu seguir adiante, adotou uma estratégia simples e eficiente: “Comecei a entrar nos sites dos departamentos de matemática e estatística das universidades em que queria estudar e a procurar por nomes de brasileiros. Quando encontrava alguém, mandava um e-mail explicando que desejava fazer pós-graduação”.
De acordo com Victor, um pesquisador brasileiro costuma se identificar com um conterrâneo, o que contribui para existir disposição em ajudar: “A estratégia foi muito boa! Recebi direcionamentos importantes de algumas pessoas.” Ele explica que as atividades acadêmicas nos Estados Unidos começam em setembro e que, por isso, quem está na graduação deve ficar atento aos prazos.
O caso de Victor foi atípico, pois ele se candidatou um ano antes do final da graduação, em setembro de 2021, tanto para a Universidade de Columbia quanto para o Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech). Ao ser aprovado, recebeu ofertas das duas instituições, que custearam sua ida aos Estados Unidos para conhecer os locais e tomar a decisão final.
“A pós-graduação aqui não é gratuita, mas eu recebo um salário para custear todas as minhas despesas. Não é uma bolsa de estudos, porque eu sou empregado pela instituição para atuar como assistente de ensino enquanto também realizo o doutorado”, revela Victor. Essa é uma característica entre muitas outras que diferenciam a pós-graduação dos Estados Unidos e do Brasil. No nosso país, um doutorando é considerado um estudante e, por isso, as bolsas de estudos são a opção para custear a formação.
Outra diferença é que, enquanto no Brasil os pós-graduandos costumam ingressar nos programas com um projeto e um orientador pré-definidos, nos Estados Unidos, essas decisões são tomadas ao final do primeiro ano do doutorado. Isso só acontece após a conclusão de algumas disciplinas, de muitas conversas com possíveis orientadores e da realização de um exame de qualificação.
Dicas para se inscrever – Para se candidatar às vagas de pós-graduação, Victor precisou comprovar sua proficiência em inglês e arcar com os custos das taxas de inscrição. “Durante a faculdade, eu dava aulas particulares para me sustentar e ganhar dinheiro para me candidatar no futuro. Então, a pessoa precisa se planejar, não é de graça. Mas existem iniciativas que ajudam nesse processo e até podem custear essas taxas de inscrição”, esclarece.
Inclusive, Victor faz parte de uma organização fundada e liderada por estudantes, chamada Brasa, que conta com mais de 9 mil membros na América do Norte, Europa e Ásia, e tem como meta ajudar brasileiros a realizar o sonho de estudar nas melhores universidades do mundo. A iniciativa tem um programa de mentoria gratuito, que está com inscrições abertas até dia 3 de março: o Programa Mentorias Brasa Pré-Pós-Graduação.
O objetivo do programa é conectar os futuros pós-graduandos com quem estuda ou já estudou no exterior, fornecendo apoio e orientação. Além disso, a equipe responsável pela gestão da mentoria permanece ao lado dos participantes ao longo de toda a preparação, ajudando a construir currículos, redações e cartas de apresentação, realizando reuniões mensais e contribuindo com a preparação para provas padronizadas e o fornecimento de informações específicas sobre cada país e bolsas. Há, ainda, a possibilidade de obter auxílio financeiro para testes e taxas de aplicação.
Para participar do processo seletivo do programa, basta já ter concluído ou estar cursando o penúltimo ou último ano de graduação ou mestrado, ter interesse em se inscrever para programas de pós-graduação no exterior, em 2023 ou 2024, e estar disponível para participar de todo o programa de mentoria até dezembro de 2023.
A construção do caminho – A trajetória de Victor até a pós-graduação nos Estados Unidos começou a ser construída ainda no ensino fundamental, quando fez uma prova de bolsas para uma escola que era considerada muito boa e tinha muitas aprovações em vestibulares: “Ganhei bolsa integral, e descobri que inscreviam os alunos em olimpíadas científicas. Aquilo era novo para mim, nunca havia ouvido falar nessas competições, mas pude encontrar materiais e dicas de estudo buscando grupos no Facebook sobre o assunto e fóruns na internet.”
Além de ter ajudado Victor a desenvolver e melhorar seu hábito de estudo, participar das olimpíadas científicas permitiu ao garoto conhecer pessoas de vários cantos do Brasil com interesses em comum. “Para mim e outros colegas de baixa renda, as olimpíadas representam uma forma de inclusão social, pois permitiram ganhar bolsas para estudar em escolas com melhor preparação para o vestibular e, com isso, ter a perspectiva de ingressar em uma universidade pública de excelência”, revela.
Foi assim que o garoto conquistou uma vaga no curso de Engenharia de Computação na USP em São Carlos, que é oferecido em parceria pela Escola de Engenharia de São Carlos e pelo ICMC. Ainda no início do curso, movido pelo desejo por aprender mais matemática, Victor começou a participar de um programa de iniciação científica promovido por Hildebrando Munhoz Rodrigues, professor emérito do ICMC.
O programa mescla, em um mesmo ambiente, estudantes que já estão na pós-graduação, veteranos na iniciação científica e alunos iniciantes, estimulando-os a apresentar, alternadamente, seminários em inglês abordando tópicos em matemática profunda. Há também seminários especiais para a resolução de problemas. Essa dinâmica possibilita que os alunos mais experientes sirvam de modelo para os mais novos e que todos juntos aprendam lições fundamentais.
Ao participar dos seminários promovidos pelo programa, Victor confirmou sua afinidade com a matemática e decidiu abandonar a Engenharia de Computação para cursar o Bacharelado em Matemática no ICMC. “O programa foi a porta para entrar na matemática. Provavelmente, se não tivesse conhecido o professor Hildebrando, eu não estaria aqui”, confidencia o doutorando. E acrescenta: “Se eu estivesse na engenharia, seria um engenheiro medíocre, porque não amava aquela profissão, não me identificava”.
Como aluno do Bacharelado em Matemática, Victor continuou a participar de olimpíadas científicas. Em 2020, obteve menção honrosa na mais prestigiada olimpíada internacional universitária de matemática, a International Mathematics Competition for University Students (IMC). Em 2021 e 2022, quando já fazia parte do grupo de extensão Nemo, do ICMC, conquistou medalhas de prata na competição.
Foi também no Bacharelado em Matemática que Victor teve a oportunidade de desenvolver um projeto de iniciação científica sob orientação do pós-doutorando Phillipo Lappicy. Como resultado do projeto, no ano passado, Phillipo e Victor publicaram o artigo Chaos in spatially homogeneous Hořava–Lifshitz subcritical cosmologies em um renomado periódico científico internacional: Classical and Quantum Gravity. “Esse foi um marco importante para aumentar minha competitividade no processo seletivo do doutorado, porque conseguimos realizar o estudo de um problema em aberto na matemática. No Brasil, não é comum alunos de iniciação científica se dedicarem a esse tipo de estudo, uma experiência usual aqui nos Estados Unidos”, explica o doutorando.
Atualmente, o ex-orientador de Victor é pesquisador na Universidad Complutense de Madrid, na Espanha. Entre 14 e 18 de maio, o doutorando e seu ex-orientador se reencontrarão nos Estados Unidos, na cidade de Portland, no estado de Oregon. É quando os dois apresentarão os resultados do artigo que publicaram durante a Conferência sobre Aplicações de Sistemas Dinâmicos, uma iniciativa da Society for Industrial and Applied Mathematics.
Depois de realizar o sonho de fazer pós-graduação no exterior, Victor está construindo sua carreira como pesquisador em matemática. Agora, o garoto de Santos sabe que pertence a qualquer lugar onde queira estar no mundo, e gostaria muito de se tornar uma inspiração para muitos outros jovens, como seus dois irmãos mais novos.
Texto: Denise Casatti – Assessoria de Comunicação do ICMC/USP